sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

(carta 83 ) A fé na vida do Cristão



(carta 83 ) A fé na vida do Cristão


Carta de Santa Catarina de Sena para o carcereiro Conte

Saudações e objetivo
Em nome de Jesus Cristo crucificado e da amável Maria, caríssimo filho(1) no doce Cristo Jesus, eu Catarina, serva e escrava dos servos de Jesus Cristo, te escrevo no seu precioso sangue, desejosa de te ver iluminada pela fé, que nos mostra o caminho verdadeiro.
Fé, amor e humildade andam juntas
Sem a iluminação da fé, nenhuma prática religiosa, desejo ou atividade produziriam frutos e nós, levando-nos à perfeição ou fazendo-nos avançar na caminhada que iniciamos, em busca de um determinado fim. Tudo seria imperfeito e vagarosamente progrediríamos no amor a Deus e ao próximo. A razão é esta: a fé corresponde ao amor e o amor corresponde a fé. Quem ama é fiel à pessoa amada, e preta-lhe serviços até à morte. Filho caríssimo, a iluminação da fé conduz a pessoa à salvação, afasta-a da lama do pecado, liberta-a das trevas do egoísmo. Com a iluminação da fé, a alma sabe o que é agradável a Deus e o que é pernicioso à própria santificação. A fé viva faz a alma saber que toda culpa é castigada e que toda virtude é premiada. Assim a pessoa pratica o bem, evita o mal e com muito esforço persevera até a morte. O demônio, as pessoas, a fraqueza da carne nunca conseguem fazê-la retroceder, justamente por causa da luz da fé presente na alma. Para que a alma atinja a perfeição, ocorrem muitos exercícios espirituais, um desejo apaixonado e profunda humildade. Esta última adquire-se na cela do autoconhecimento mediante uma oração contínua, humilde e fiel, em meio a muitas contrariedades causadas pelo demônio, pelas pessoas, pela própria perversa vontade e pela fraqueza da carne, que sempre luta contra o espírito. Mas a tudo isso a alma resiste com a iluminação da fé: crê qualquer que seja a maneira pela qual Deus os permita. A pessoa já não escolhe tempos, lugares e fadigas em conformidade com o próprio gosto, mas segundo a vontade divina, que apenas deseja a nossa santificação.
A fé perfeita purifica a alma no sangue de Cristo
Mas por que permite Deus tantas dificuldades? Permite para experimentar a virtude, fazer-nos reconhecer nossa imperfeição, termos consciência dos auxílios que ele nos concede nas tentações e dificuldades, experimentarmos a chama do seu amor, presente em nossa vontade durante as lutas e tentações. Tal conhecimento elimina a imperfeição da fé na alma. Após longa caminhada, a fé da alma torna-se perfeitíssima.
Essa iluminação perfeitíssima afasta da mente humana todo escrúpulo. Tanto na hora das tentações, quanto no caso de cair em pecado grave, qualquer que seja. É que na luz da fé, a alma se apoia na clemência, na chama ardente e no abismo da caridade divina. A pessoa estende os braços da sua esperança e com ele agarra-se fortemente aos méritos do sangue de Cristo, no amoroso fogo divino. Apoiada numa contrição perfeita, a pessoa se humilha diante de Deus e diante do próximo por amor a Deus, considerando-se o mais vil dos seres. Desse modo, pela contrição e a esperança, o sangue de Jesus apaga a culpa da alma. como se vê, foi a luz da fé que inseriu na alma o sangue de Cristo e a fez atingir grande perfeição, grande amor na chama divina. Com o bom Gregório(2), a alma pode dizer. “Ó feliz e bem aventurada culpa, que nos mereceu tão grande Redentor”!
E a culpa de Adão, foi feliz? Em si, não! Mas foi feliz no seu efeito, quando Deus Pai revestiu seu Filho da nossa natureza e lhe impôs a grande obediência, com que ele restituiu a graça aos homens. Qual jovem apaixonado, Cristo correu (em direção à cruz) a fim de pagar o resgate com seu sangue. A mesma coisa eu digo da alma. Não é feliz o seu pecado, mas sim o fruto que colhe no amor-caridade, mediante a grande e perfeita purificação nela operada na luz da fé, como expliquei antes.
A fé nos leva ao amor pelo próximo
Ainda, a fé faz crescer na alma o conhecimento (de Deus) e a humildade. Com alegria, a pessoa obedece aos mandamentos divinos. Com ódio (ao vicio) e ao amor (à virtude), ela se impõe o jugo da obediência, E logo, apaixonada, corre a dar a própria vida, se for necessário, para a salvação das almas. Na luz da fé a alma vê-se incapacitada de retribuir a Deus os favores dele recebidos. Entende que pode amar a Deus, mas sem lhe ser de utilidade. Deus não precisa de nós. Percebe, porém , a alma que pode ser de utilidade ao próximo, revelamos o amor que temos por Deus. É com tal ação que a pessoa revela-se a virtude está presente ou não na sua alma. Assim, apressa-se em obedecer e configurar sua vontade à vontade divina por meio do próximo. Sem nunca desistir disso, por qualquer motivo, até a morte.
A fé nos abre as portas do céu
Com a iluminação da fé, a pessoa recebe a garantia da vida eterna e se nutre de amor na chaga do peito de Cristo crucificado, divertindo-se em furtar as virtudes, a vida e a maturidade, que os eleitos do céu possuíam quando peregrinos na terra. A fé nos fornece, no sangue de Cristo, a chave parar abrirmos as portas da vida eterna. A fé leva a pessoa a confiar, não em si mesma, e sim no Criador. Está livre do vento do orgulho e da presunção pessoal. A presunção, o orgulho, a impureza e toda outra miséria espiritual procedem da falta de fé em Deus.
A presunção pessoal é um verme oculto nas raízes da alma. Se não for eliminado com muito empenho e humildade, corrói a árvore humana e a derruba. Muitas vezes a pessoa é tão ignorante em seu egoísmo, que nem percebe sua presença. Então Deus permite numerosas dificuldades e perseguições, de maneira que a árvore pessoal se contorça e até caia. Deus não quer o pecado, mas deixa a pessoa na liberdade de pecar, a fim de que entre em si mesma e, humilhada, ataque o verme da presunção e o elimine. Uma pessoa assim terá motivo para alegra-se, ao tomar consciência de algo que desconhecia em si mesma? Certamente!
Filho caríssimo! Sempre e em todas as situações, a pessoa santa ou pecadora, em estado de pecado ou de graça, precisa da iluminação da fé. Como são numerosos os inconvenientes de alguém não ter a luz da fé. Não o explico, porque seria muito longo. Seja suficiente o que ficou dito. De outro lado, como é útil e agradável ser iluminado por ela! Mas não sou capaz de dizê-lo em palavras ou por escrito. Que Deus vos dê a compreensão na sua infinita misericórdia. Quero que isso se realize. Por esse motivo afirmei que estava desejosa de ver em ti a luz da fé.
Recados para conte. Conclusão
Maravilhei-me pelas cartas que escreveste a Barduccio (Canigiani). De modo algum aceito que tu abandones a confraria, (3) a menos que entres numa ordem religiosa. Também não quero que sejas escrupuloso. Quero que, profundamente humilde, te tornes súdito do menor membro da confraria. Nem por isso deixarás de dizer aos membros dela a verdade que o Senhor te mostrar.
Agora, comecemos a usar os remédios descritos acima, para que o demônio da tristeza e dos escrúpulo não assalte nossa alma. A última situação seria pior do que a primeira (Lc 11,26) e seria grande ofensa a Deus.
Permanece no santo e doce amor de Deus Jesus doce, Jesus amor.
(1) Conte era o nome de um senhor, amigo de Catarina, que residia na cidade de Florença e cuidava de um cárcere. Lendo a carta, percebemos que se tratava de um cristão exigente com os colaboradores e com tendência a escrúpulos na vida pessoal
(2) Trata-se do papa são Gregório Magno (590-604). Catarina acrescenta à expressão do santo a palavra “bem-aventurada”. Expressão aliás baseada em Santo Agostinho.
(3) Existiam naquele tempo muitas confrarias, às quais os leigos se filiavam. Frei João das Celas (1310-1396), abade em Florença durante certo tempo, fundara uma confraria para leigos

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